O novo orçamento <br> federal nos EUA

António Santos

Na sua úl­tima sessão de 2014 em De­zembro pas­sado, o Se­nado dos EUA aprovou o novo or­ça­mento fe­deral, um pa­cote no valor de 1.1 tri­liões de dó­lares. Sob a ameaça de uma nova pa­ra­li­sação do go­verno, o Par­tido De­mo­crata, em mi­noria em ambas as câ­maras do Con­gresso, es­ta­be­leceu um acordo com o seu con­gé­nere Re­pu­bli­cano, per­mi­tindo pro­longar o fun­ci­o­na­mento das cha­madas «fun­ções não vi­tais» do Es­tado fe­deral. Em con­tra­par­tida, foram apro­vadas duas leis que com­pro­metem as re­formas de mi­lhões de pen­si­o­nistas e abrem ca­minho à pri­va­ti­zação da se­gu­rança so­cial.

Por um lado, o go­verno fe­deral com­pro­mete-se le­gal­mente com o res­gate de bancos que apre­sentem pre­juízos cau­sados pelos cha­mados con­tratos de­ri­va­tivos e ou­tros pro­dutos fi­nan­ceiros al­ta­mente in­certos. A nova lei, de­se­nhada à me­dida dos donos do Ci­ti­group, trans­forma em lei as ope­ra­ções de res­gate de 2008, na­ci­o­na­li­zando os pre­juízos dos ca­pi­ta­listas sempre que os seus ne­gó­cios fa­lham. Por outro lado, a se­gunda lei agora apro­vada, ga­rante que quando esses ne­gó­cios correm bem, os pre­juízos também são na­ci­o­na­li­zados. Passo a ex­plicar.

Uma aposta vi­ciada

Em 1974, uma lei fe­deral co­nhe­cida como Em­ployee Re­ti­re­ment In­come Se­cu­rity Act per­mitiu uma re­dução brutal na con­tri­buição paga pelos pa­trões para os fundos de pen­sões pro­me­tidos aos tra­ba­lha­dores de cada em­presa. Esta re­dução tem sido desde então com­pen­sada com o in­cre­mento da per­cen­tagem paga pelos tra­ba­lha­dores e, prin­ci­pal­mente, por in­ves­ti­mentos fi­nan­ceiros, por vezes em pro­dutos fi­nan­ceiros ex­tre­ma­mente ar­ris­cados. Sem sur­presa, os fundos de pen­sões pri­vados foram trans­for­mados em presas fá­ceis de abu­tres fi­nan­ceiros que apostam for­tunas na sua fa­lência. Sendo sim­ples de en­tender porque é que esta re­ceita está hoje a de­sem­bocar na fa­lência de de­zenas de mi­lhares de fundos de pen­sões, res­tava ainda um pro­blema: até De­zembro pas­sado, era ilegal cortar pen­sões e be­ne­fí­cios ins­critos em con­trato.

A nova lei do or­ça­mento fe­deral co­loca a im­por­tância so­cial dos fundos de re­formas abaixo dos pre­juízos que in­ves­ti­dores possam so­frer com apostas na fa­lência desses fundos e prevê que as pen­sões com mais do que um em­pre­gador possam ser re­du­zidas. Por ou­tras pa­la­vras, os in­ves­ti­dores que apostem na fa­lência de um fundo de pen­sões e percam a aposta terão o seu pre­juízo com­pen­sado com cortes nas pen­sões que apos­taram em des­truir.

Re­pu­bli­cratas

As novas leis con­tri­buem para re­forçar a so­ci­a­li­zação dos pre­juízos do ca­pital ao mesmo tempo que trans­ferem para ban­queiros e es­pe­cu­la­dores as rendas do tra­balho, mas o ob­jec­tivo também é po­lí­tico. Não é ca­sual que os pri­meiros alvos destas leis sejam os fundos de pen­sões com mais do que um em­pre­gador: nos EUA, estes cor­res­pondem prin­ci­pal­mente aos sec­tores eco­nó­micos com forte im­plan­tação de sin­di­catos, que amiúde gerem os fundos de pen­sões. A ló­gica, de­fen­dida pu­bli­ca­mente por Obama, é que a de­sin­dus­tri­a­li­zação e o en­ve­lhe­ci­mento da po­pu­lação não deixam outro ca­minho: é ne­ces­sário cortar re­formas, des­truir di­reitos e pri­va­tizar os fundos de pen­sões e a se­gu­rança so­cial. Na ver­dade, a causa da fa­lência dos fundos de pen­sões não podia ser mais di­fe­rente. Veja-se o exemplo pa­ra­dig­má­tico dos Te­ams­ters, um dos sin­di­catos mais im­por­tantes dos EUA, que deve mais de um terço dos pre­juízos do seu fundo de pen­sões ao re­sul­tado de in­ves­ti­mentos ar­ris­cados. O que está a des­truir as pen­sões dos re­for­mados es­tado-uni­denses é a re­cusa dos pa­trões em pagar o que devem, a gestão das re­formas pela eco­nomia de ca­sino e a au­sência de um sis­tema pú­blico e uni­versal de pen­sões e se­gu­rança so­cial.

Apesar dos di­fe­rendos en­ce­nados e das ame­aças de pa­ra­li­sação do go­verno fe­deral, de­mo­cratas e re­pu­bli­canos com­ple­mentam-se e com­pletam-se, pas­sando de mão em mão o tes­te­munho da ofen­siva de classe contra os tra­ba­lha­dores dos EUA. Com o man­dato pre­si­den­cial a apro­ximar-se do tér­mino e ambas as câ­maras do Con­gresso em poder do Par­tido Re­pu­bli­cano, estão cri­adas as con­di­ções para uma der­ra­deira farsa de­mo­crata contra quem tra­balha: deixar passar todas as pro­postas re­pu­bli­canas, la­vando as mãos de todas as res­pon­sa­bi­li­dades.




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