O novo orçamento <br> federal nos EUA
Na sua última sessão de 2014 em Dezembro passado, o Senado dos EUA aprovou o novo orçamento federal, um pacote no valor de 1.1 triliões de dólares. Sob a ameaça de uma nova paralisação do governo, o Partido Democrata, em minoria em ambas as câmaras do Congresso, estabeleceu um acordo com o seu congénere Republicano, permitindo prolongar o funcionamento das chamadas «funções não vitais» do Estado federal. Em contrapartida, foram aprovadas duas leis que comprometem as reformas de milhões de pensionistas e abrem caminho à privatização da segurança social.
Por um lado, o governo federal compromete-se legalmente com o resgate de bancos que apresentem prejuízos causados pelos chamados contratos derivativos e outros produtos financeiros altamente incertos. A nova lei, desenhada à medida dos donos do Citigroup, transforma em lei as operações de resgate de 2008, nacionalizando os prejuízos dos capitalistas sempre que os seus negócios falham. Por outro lado, a segunda lei agora aprovada, garante que quando esses negócios correm bem, os prejuízos também são nacionalizados. Passo a explicar.
Uma aposta viciada
Em 1974, uma lei federal conhecida como Employee Retirement Income Security Act permitiu uma redução brutal na contribuição paga pelos patrões para os fundos de pensões prometidos aos trabalhadores de cada empresa. Esta redução tem sido desde então compensada com o incremento da percentagem paga pelos trabalhadores e, principalmente, por investimentos financeiros, por vezes em produtos financeiros extremamente arriscados. Sem surpresa, os fundos de pensões privados foram transformados em presas fáceis de abutres financeiros que apostam fortunas na sua falência. Sendo simples de entender porque é que esta receita está hoje a desembocar na falência de dezenas de milhares de fundos de pensões, restava ainda um problema: até Dezembro passado, era ilegal cortar pensões e benefícios inscritos em contrato.
A nova lei do orçamento federal coloca a importância social dos fundos de reformas abaixo dos prejuízos que investidores possam sofrer com apostas na falência desses fundos e prevê que as pensões com mais do que um empregador possam ser reduzidas. Por outras palavras, os investidores que apostem na falência de um fundo de pensões e percam a aposta terão o seu prejuízo compensado com cortes nas pensões que apostaram em destruir.
Republicratas
As novas leis contribuem para reforçar a socialização dos prejuízos do capital ao mesmo tempo que transferem para banqueiros e especuladores as rendas do trabalho, mas o objectivo também é político. Não é casual que os primeiros alvos destas leis sejam os fundos de pensões com mais do que um empregador: nos EUA, estes correspondem principalmente aos sectores económicos com forte implantação de sindicatos, que amiúde gerem os fundos de pensões. A lógica, defendida publicamente por Obama, é que a desindustrialização e o envelhecimento da população não deixam outro caminho: é necessário cortar reformas, destruir direitos e privatizar os fundos de pensões e a segurança social. Na verdade, a causa da falência dos fundos de pensões não podia ser mais diferente. Veja-se o exemplo paradigmático dos Teamsters, um dos sindicatos mais importantes dos EUA, que deve mais de um terço dos prejuízos do seu fundo de pensões ao resultado de investimentos arriscados. O que está a destruir as pensões dos reformados estado-unidenses é a recusa dos patrões em pagar o que devem, a gestão das reformas pela economia de casino e a ausência de um sistema público e universal de pensões e segurança social.
Apesar dos diferendos encenados e das ameaças de paralisação do governo federal, democratas e republicanos complementam-se e completam-se, passando de mão em mão o testemunho da ofensiva de classe contra os trabalhadores dos EUA. Com o mandato presidencial a aproximar-se do término e ambas as câmaras do Congresso em poder do Partido Republicano, estão criadas as condições para uma derradeira farsa democrata contra quem trabalha: deixar passar todas as propostas republicanas, lavando as mãos de todas as responsabilidades.